sexta-feira, 8 de junho de 2012

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Hoje achei que te vi.

Lembrei daquela noite, onde o tudo e o nada aconteceram ao mesmo tempo. Não consigo lembrar como de fato começou, onde foi que senti a fagulha pinicando a pele, vejo alguns borrões, alguns brindes de Chopp, uma amiga em comum e uma ex-namorada. Vejo seus olhos e seu sorriso torto. Gosto de pensar na sua mão, quando ela roubou a minha de cima do balcão e numa carícia singela espantou o mundo ao nosso redor pra longe.

Como numa Blueberry Night, estávamos no balcão de um bar qualquer, de costas para a rua, expostos numa vitrine, escondidos por algum adesivo mal colocado contra o vidro. Caminhamos até outro bar qualquer, quase escondido, quase sem luz, quase sem gente, quase sem vida. Cervejas e confidências. Quando sua mão reencontrou a minha, falamos de amores passados, falamos de dor, de mágoa, da vida. Do amor em comum, mesmo que de forma diferente. Das formas de amor, da forma de amar. Dor.

Gostaria de ser um terceiro naquele bar. Algum boêmio perdido no canto. Talvez o garçom que quase derrubei quando fui ao banheiro. Queria assistir o que vivi, para ter certeza de que aquilo estava acontecendo. Se foi real ou algum fruto doentio da minha alma cansada. Mas ao mesmo tempo queria apagar nossas fotos. Fotos que me perseguem, insistem em trazer memórias irreais, sonhos defeituosos, suspiros pela metade.
Incansáveis beats, ainda fomos badalar. Num lugar que certamente você não gostava, eu sabia. Eu sei. Mas ainda assim você foi, disse que só queria sair e estar comigo. Dançamos no tumulto. No balcão, buscando mais álcool, nos esprememos entre as pessoas. Você na frente, eu te segurando pela mão.
Ao pedir, mesmo de costas, me puxou para mais perto. Seu cheiro. Descontrolado, num abraço pela cintura, te apertei e encostei meu rosto nas suas costas. Você virou e por um instante meu mundo parou de girar. Perdido nos seus olhos e no seu sorriso ainda torto. Mal percebi o barman puxando minha comanda, nos obrigando a trocar de lugar. Tequila e cerveja.

Ah, tequila. Encorajando as pessoas a fazerem coisas estúpidas. Seu rosto veio de encontro ao meu, porém seus lábios encontraram meu rosto. Seu corpo sim, encontrou meu corpo, entre pedidos e bebidas, você me beijou levemente o rosto, passando levemente seu rosto no meu e beijando delicadamente meu pescoço.
Na tentativa de te beijar, encontrei hesitação. Com o rosto afastado, me puxou pelo braço, precisando de um cigarro. Você não fumava e eu não havia fumado a noite toda. Por você. Saímos e compramos um desses cigarros com sabor de cereja e acendi o meu e o seu enquanto atravessávamos a rua.
Cigarro. Meu terapeuta. A sensação de que eu havia feito algo errado não demorou a aparecer. A gente até então era amigo, né? Quer dizer, não, a gente não era amigo. Talvez colegas, se bem que não, não éramos nada. A gente só se conhecia. Naquela noite, acima de todas, éramos dois estranhos. Pedi desculpas pela tentativa de beijo roubado. Com suas duas mãos no meu rosto, perguntava insistentemente se você estava indo a algum lugar, que estava tudo bem. Eu gostaria que você tivesse de fato ido. Fugido. Estar lá de cara lavada e ainda me beijando o pescoço, só me deixou mais confuso e machucado.

Mas você sempre foi doce. Não deixaria de ser naquela hora. Abraços, desculpas, beijos no pescoço, um coração despedaçado e uma mente confusa. Sentamos no chão e você pediu que eu deitasse no seu colo. Deitei sobre suas coxas ainda te olhando, meio encolhido, sentindo o ar gelado da madrugada. Você foi se inclinando até que alcançasse meus joelhos e também se deitou sobre minhas pernas. E ali ficamos. Neste estranho círculo de carinho. A posição mais confortável da minha vida, que até hoje não consigo repetir, pela dor do lembrar.

Subimos a rua abraçados e abraçados nos despedimos. Pra sempre.

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