sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Um Sonho.(?)


Matusaelizando



Poderia ter sido a lente queimando seus olhos, a luz do sol que começava a entrar pela fresta da cortina da sala, ou algum ronco que vinha de outra pessoa que ali dormia. Tudo junto. Outros diriam que foi um alien, o espírito da noiva ou um galo zumbi. Tiago acordou virado para o forro de madeira no teto, visualizando manchas brancas, que desenhavam o contorno de seus amigos espalhados pelo chão.

Lembrou-se da noite anterior, quando só conseguia enxergar o vaga-lume que ficou trancado para dentro. Ele piscava e Tiago gritava exaltado. Chegou a lembrar alguma piada interna, sobre coisas que piscam. Pôde ouvir as risadas de Érika e Thalita vindas da outra sala. Era tão bom ouvi-las sabendo que elas estavam logo ali.

Sentou-se na cama, tomando coragem para começar mais um dia. Aliás, mais um ano. O primeiro dia do ano. Olhou para o lado e viu Marcos descabelado, numa posição que muitos ali nem acordados e alongados conseguiriam reproduzir. O braço para fora da coberta, metade caído no chão, tocando de leve o aparelho celular com as pontas dos dedos. Nem dormindo ele desgrudava do aparelho. Tiago sorriu, lembrando de Marcos tomando sol com o celular na orelha. Vislumbrou Marcos com uma marca branca no rosto no formato do celular. Riu em voz alta. Ninguém sequer notou.

Café. Ele precisava de café. Num outro colchão aos seus pés, Matusael dormia com um sorriso no rosto, provavelmente sonhando com algum webhit maravilhoso, montando piadas para usar durante o dia. Na beirada do seu colchão havia uma latinha de cerveja, provavelmente cheia e quente.

Com medo de derrubar a cerveja, tentou sair pelo outro lado, passando por cima do Marcos, e quase pisou um pequeno casulo que havia se formado com o edredom. Era Camila. Ela dormia como se nunca houvesse dormido na vida. Respirava profundamente, como se precisasse de ar, como se minutos atrás tivesse quase se afogado. Mas talvez fosse só o calor do edredom.

Passou por Victor, Guilherme, Gabriel e Cauê, desviando dos colchões. Onde estava Thali?, pensou. Na cozinha, garrafas vazias de conhaque, groselha e tequila. No balcão, tomado por celulares e óculos de sol, uma maça toda mordida. Cinzas do narguile espalhadas por todo lugar. CIGARRO. Tiago precisava de cigarro. E café. Começou a abrir os armários, procurando algo para ferver a água. Releu o recado na geladeira, informando que o show havia sido cancelado. Quase teve um ataque.

Após pegar uma chaleira, foi para a cozinha de fora, onde ficava o único fogão que funcionava. Na pia, resquícios de uma panelada de brigadeiro deliciosa, um molho branco que surgiu devido ao milagre da multiplicação, um leve cheiro de arroz queimado, uma salsicha abandonada e uns potes vazios. Perguntou-se onde estava a carne - apesar de fora da geladeira, ela deveria estar ali. Talvez estivesse em outro lugar.

Voltou à casa, para buscar o isqueiro. Vazio. Eles usaram para acender o carvão do narguile na noite anterior. Foi procurar outro isqueiro, daqueles de padaria, na cor laranja, que a Paula havia pegado emprestado com o caseiro. Talvez estivesse no quarto. Passando pelo corredor, viu a pia caída no chão. E um cheiro de queimado – ou merda – no ar. Tentou puxar pela memória o que havia acontecido, mas o cheiro estava mais forte do que a vontade de lembrar e continuou caminhando.

Thali estava num dos quartos, encolhidinha numa das camas, dormia virada pra janela, com o sol já batendo em seu rosto. Estava serena, talvez até triste. Nostálgica? Essa época do ano mexe com nossas emoções. Tiago quis abraçá-la e dizer que estava tudo bem. Mas resolveu não acordá-la. Deixá-la descansar era a decisão mais sábia para que depois eles pudessem pirar durante o dia e rir até o mundo acabar.

Passou pela sala novamente, vendo Paula entre Arthur e Bruno. Um sanduíche que invejaria qualquer pessoa. Torceu para alguém estar acordado, para que ele pudesse fazer alguma piada ou repetir que aquilo esticado não era o joelho dos meninos. Mas ainda dormiam. Na mesa da outra sala, encontrou o isqueiro e um maço do cigarro mentolado, que ele achou que havia acabado. Estava embaixo de um iPod preto. Resolveu ver qual a última música havia sido tocada, mas o aparelho estava bloqueado. Mais fácil seria chocar um ovo de dragão com sucesso do que descobrir aquela senha. Havia outro iPod no deck, a música pausada era Make me Feel, do Cobra Starship.

Acendeu a boca do fogão, ferveu a água, preparou o café e voltou para a varandinha, na frente da casa. Sentou-se no chão, entre alguns pedaços de frango avermelhados. Tomou seu café e fumou o cigarro mais delicioso da sua vida. Ele tinha tudo o que precisava ali, entre as árvores daquele lugar. Tirou o celular do bolso para verificar as horas e, no reflexo da tela, viu como seu olho estava inchado. Ele chorou na noite passada. Sentiu-se bobo.

Lembrou-se de ter ido até o meio do gramado, seguindo um vaga-lume e tentando se aproximar. Virando-se para a casa, viu as pessoas ao redor da mesa. Mesmo Alana, que era a mais nova integrante do grupo, já estava entrelaçada em todos. Tiago tinha medo que o grupo desapontasse Bruno e ela, que antes nunca tinham passado tanto tempo junto assim com todos eles. Mas não, mais uma vez estava provado que alguma coisa ali era maior, maior do que as diferenças entre eles. O que tinham em comum era mais forte.

Guilherme tinha acabado de deixar o violão de lado e ia em direção à mesa. E, entre tantos que Tiago gostaria que estivessem ali celebrando, lembrou-se de Luciane. Divagou sobre o futuro, imaginando ela com Guilherme, de mãos dadas, esperando em fila para se servir de algum prato especial de ano novo que Arthur tivesse feito com todo amor e carinho do mundo para todos.

Érika ria, sentada na ponta da mesa, como todo bom chefe de família faz. Da nossa família de escândalos e luxúria. Ela apontava para Victor, que rodopiava pela sala, emulando as lindas luzes de uma aurora polar e quase derrubando Bruno, que vinha com uma taça de champagne na mão. Que caiu, obviamente, quando Gabriel chegou fazendo um bate cabeça com os dois. Todos riram e Érika comentou algo com alguém que estava ao seu lado. E de repente, Tiago notou que todos ali estavam acompanhados. A mesa na verdade havia dobrado de tamanho, o sítio também. Sequer era o mesmo sítio.

Ao olhar para trás, Cauê vinha de outro canto das árvores, seguido por algumas crianças, e em cada uma Tiago via os traços de seus amigos: fosse um cabelo loirinho, um sotaque mineiro, os olhos claros característicos, os olhos escuros, a alegria de viver, a bondade, ou a acidez. Todos com lanternas nas mãos, explorando a noite. Paula vinha ao fundo, de mãos dadas com alguma criança que visivelmente estava morrendo de medo, mas que estava encantada com a canção que Paula tentava ensinar as crianças. Cauê reforçava que a rua não era dos gordos e Paula se desmanchava.

Tiago era a terceira pessoa naquela visão. Um voyeur. Tudo estava intacto, minimamente planejado, todos vestiam branco, riam expansivamente. Breno esbravejava com Arthur alguma coisa sem o menor sentido, enquanto Tiago abraçava Alana na cozinha para provocá-lo. Todos estavam tão diferentes e tão iguais. Eram os mesmos na personalidade, mas com uma alegria diferente... Potencializada. Estavam realizados.

Perdido em emoções, sentiu Paula abraçando-o e logo todos estavam a sua volta, pulando e comemorando. Acordou do transe. Com lágrimas nos olhos e um nó na garganta, voltou para dentro, deu uma olhada para cada um e perguntou-se se aquele ano-novo seria repetido outras vezes. Em seu monólogo mental, concluiu que sim, não foi só uma alucinação.

E lembrou-se do sorriso que deu, olhando para seu prato na mesa, imaginando as possibilidades infinitas de felicidade que aguardavam cada um daquele grupo. Viu novamente em um flash a família crescendo, com pessoas que não se importam se você é gordo, magro, gay, branco, preto, amarelo, indie, metaleiro, pagodeiro, espírita, evangélico, católico, vegetariano, se só toma suco de maracujá, se só toma no cu, se quebra pias, se larga a cerveja no banheiro, se joga casca de banana no chão, se te bate na cara, se vomita no seu pé ou se te acordam delicadamente rolando por cima de você.

E o cigarro já queimava a ponta dos seus dedos. Abriu a porta da sala, colocou Glamurosa no último volume e rolou por cima daqueles corpos maravilhosos, não sabendo mais se divagava ou se estava acordado. Então começou a ouvir os gritos de dores de um Arthur muito bravo, com suas queimaduras de sol, sono e rinite. Enxotado por ele, Paula e Bruno, rolou por cima de todos e parou sobre Érika com um abraço e um beijo.

É tão bom estar em casa.