quarta-feira, 11 de maio de 2011

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As pessoas passvam borradas pelas janelas do metrô, que reduzia sua velocidade, parando na estação Luz. O horário de pico já havia terminado, não havia tumulto, não havia empurra-empurra. Uma senhora com um carrinho de feira, com alguma coisa embalada em saco plástico preto. Um senhor que mal se agüentava, segurando com toda sua frágil força onde conseguia, até sentar-se no banquinho azul claro. E um casal.

Digo casal por serem um homem e uma mulher, não por usarem alianças. Ambos por volta de seus vinte e cinco anos. Não se destacariam de ninguém, se estivessem sozinhos, mas juntos eles tinham essa combinação, essa energia comungada, que por um momento me despertou inveja. Uma boa inveja.

Ele estava com sua camisa social cinza, com as mangas dobradas até os cotovelos, dois botões abertos, mostrando uma camiseta branca básica. Calça preta, com o vinco da perna torto, sapato preto com um pé menos engraxado do que o outro. Sem pulseiras, sem colares, sem relógio. Um par de óculos de armação fina, lentes pequenas. Mochila preta, que ele tirou quando a porta do vagão abriu e segurou com as mãos.

Ela estava com uma blusinha vinho, bem caída no seu corpo e sem mangas. Calça jeans azul claro, um cinto largo marrom, com uma fivela simples. Um sapato social, com um salto baixo. Sem pulseiras, sem colares, sem relógio. Um brinco delicado, quase invisível. A bolsa no ombro esquerdo e uma pequena sacola plástica verde na outra.

Tinham o mesmo tamanho, o mesmo tom claro de pele, o mesmo sorriso bobo. Entraram sorrindo, como quando alguém acaba de ouvir uma história engraçada de alguém conhecido. Ele parou ao entrar e deixou que ela escolhesse onde iriam sentar. Sentaram-se perto de mim. Ele com a mochila preta no colo, com as mãos apoiadas, sem saber direito onde segurar. Ela colocou a sacola entre eles e segurou a bolsa em seu colo.

Conversavam em outra língua, na língua dos que amam. Ele olhava quase que com medo pra ela, ela sorria cada vez mais. O metrô já em movimento, ela verificou seu reflexo na janela, uma rápida e discreta passada de mão no cabelo. Ele se olhou, quase imitando o movimento. Ela sorriu e delicadamente passou o polegar na bochecha dele, com a desculpa de limpar algo. Um carinho tímido.

O metrô reduziu bruscamente a velocidade e ela não se segurou, aproveitou o embalo e deitou sua cabeça no ombro dele. Sem reação, ele brincava delicadamente com o zíper de sua mochila. Tomou coragem e levou sua mão para um cafuné. Que de tão desajeitado, só desmanchou o cabelo dela.

Levantou a cabeça e arrumou o cabelo. Ele sem jeito nenhum, encarava suas mãos, ainda brincando com o zíper. Ela voltou a repousar a cabeça nele, dessa vez sem desculpa nenhuma. Preparado, o carinho foi mais eficiente. Ela segurou a outra mão dele que estava sobre a mala.

Ele retomou o assunto, ela se lembrou de alguma coisa... Sorriam. O jeito que ela arrumava o cabelo, a forma que ele coçava o queixo. Eles se amavam tão descaradamente, sem quase se tocar, sem saber. Num momento ela me olhou, e era como se eu a conhecesse. E foi como se eu conseguisse ouvir seus pensamentos felizes, o olhar dela gritava que ela havia achado, que agora ia ficar tudo bem, tudo no seu lugar, do jeitinho que ela sempre sonhou.

O condutor anunciou a próxima estação e eles se olharam tristes. Mas ainda com aquele brilho no olhar. O metrô reduzindo e eles se abraçando desengonçados, se enroscando nas bolsas e sacolas. Um quase abraço. Tentaram se beijar do mesmo lado. Um quase-beijo. Ela se levantou, e ao lado do banco dele, esperava o metrô abrir as portas com a mão apoiada na barra. Ele delicadamente tocou nos dedos dela, como se quisesse dois segundos de contato a mais, como se quisesse dizer algo.

Uma última troca de olhares e um tchau tímido. Ele não se virou e perdeu o momento que ela olhou pra trás. Ela só o enxergava de costas, não podendo ver o sorriso estampado no rosto de um bobo sonhador, que acabou de entender, que havia encontrado seu verdadeiro amor.